POÇO DO MATO EM 1990

POÇO DO MATO EM 1990
TODAS AS FOTOS SÃO DA NECA MACHADO e possuem direitos autorais

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

MACICA

NINA

FALECIMENTO

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PAVAO



Por> Neca Machado

Mestre Pavão

No som do tambor
Tua sina
Tua reza
Tua dor....
Ecoam teus sonhos
Embalados por versos
Cancioneiros de minha Terra.

E no teu olhar ....
Perde-se a saudade de uma Raiz....
Perfumada por açucenas do Laguinho.

sábado, 4 de dezembro de 2010

CONTOS

FUNDO DE GAVETA
Publicado em 21 de fevereiro de 2003 no Jornal Diário do Amapá.

Quando ela se deparou chegando aos oitenta anos sentiu um leve frio na costela...
A negra dos Campos do Laguinho sentou na varanda da casa rústica e resolveu revirar seu passado, era como se limpasse o armário e olhasse profundamente para um fundo de gaveta...
Primeiro foram às mãos que envelheceram sem o sentir do passar dos anos, tinham marcas profundas de uma jovialidade, que a cor conservava, sem que o tempo demonstrasse sinal de sua presença.
Já não podia tocar em algo que as dores de um reumatismo não surgisse de repente, que a deixavam prostada por dias a fio na velha rede de algodão.
Muitos sinais da passagem da juventude desapareceram, sumiram como por encanto. A dor de cabeça era uma constante, e o famoso banho de São João que conservava debaixo da cama, era sua salvação, o banho era um segredo de família, conservado anos. Em dias de comemoração ao famoso santo, as ervas aromáticas ficavam em infusão por três dias banhadas em água de poço amazônida e retirados pela madrugada, tinha que ser antes do sol raiar para fazer efeito segundo a velha senhora. Sua sabedoria popular extrapolou os limites do Laguinho e as consultas em sua casa eram diárias.

Na gaveta o fundo amarelado guardava alem das lembranças, muitas saudades. Recostou o ombro na cadeira de balanço, tirou um fio de cabelo, e percebeu sua cor esbranquiçada que ficou em suas mãos, neste momento, outra dor mais forte no peito. Eram as lembranças que aquela gaveta lhe trazia, não lhe faziam bem nenhum.
Pensou no tempo em que o velho murucizeiro conhecia suas lembranças, foram cúmplices durante muitas décadas, ele era um confidente leal, em sua sombra a cumplicidade, seus frutos doces no chão, somente uma desculpa para querer sua companhia. Agora as tardes não possuíam mais o encanto de outrora, havia naquele momento um amargo sabor de saudade.
A gaveta seria fechada de uma hora pra outra, e com ela toda uma vida de glorias, vitórias, desamor, magoas, arrependimentos, tristezas, sonhos... Tudo ficou no passado!

NO FUNDO DE UMA VELHA GAVETA!




A BORBOLETA
Publicado no Jornal Diário do Amapá em; 12 de fevereiro de 2003-cultura.

A BR 156 estava completamente nublada ao entardecer, e ainda no vidro do carro embaçado pela chuva fina, o motorista tentava não desviar da estrada, porém, os buracos em numero excessivo eram grande obstáculo, ele ainda estava preocupado com o sono leve que se aproximava deixando transparecer um ar de inquietação.

Neste momento um caminhão carregado de eucaliptos que vinha em sentido contrario o fez redobrar a atenção para não ocasionar um acidente grave.

O buraco no meio da estrada surgiu como por encanto, ele sabia que não estava lá quando veio pela primeira vez, e o sol ainda estava no alto norteando sua viagem. O barulho das rodas no asfalto fez com que os ocupantes que estavam no banco de traz acordassem, e aos gritos perguntavam: o que foi isso? E o coitado branco de medo não tinha uma explicação.

A viagem com o primeiro susto seria o começo de uma grande odisséia naquela noite. O carro equilibrava na estrada como que conduzido por algo estranho e o motorista continuava com seu medo sem demonstrar aos outros ocupantes.

O vento forte que bateu no vidro da janela, fez com que uma claridade repentina despertasse o motorista que já se acalmava do primeiro susto, e ele não sabe explicar como o fenômeno aconteceu: primeiro foi uma rajada de vento acompanhado de uma luz muito forte, depois um inseto que foi se transformando em algo maior e ele exclamou assustado aos amigos que era uma Borboleta gigante.

No percurso com destino ao município amapaense de Ferreira Gomes, uma Borboleta luminosa acompanhou a viagem sem se deixar ficar para traz.

As vezes acompanhava do lado direito do carro, e quando o motorista tentava firmar o olhar para reconhecer o inseto, ela se esquivava e desaparecia, para logo em seguida surgir do nada no outro lado.

A luz que a rodeava era uma luz diferente que mudava de cor segundo o tal motorista que não conseguiu descrever qual a sensação de visualizar algo sobrenatural. Também existiu o medo que foi indescritível naquele momento de pavor.

E a estória da tal Borboleta Gigante se espalhou pelos velhos motoristas da BR 156.




DESPEDIDA
Publicado no Jornal Diário do Amapá em: 13 de fevereiro de 2003-cultura.

As chuvas de março sempre foram inspirações para os mais sensíveis com o coração.

O frio une os amantes tornando-os mais cúmplices e amigos, fortalecendo as relações recíprocas de afeto, e deixando aflorar cada poeta escondido em um emaranhado de funções cotidianas, onde as obrigações tornam-se prioridades, deixando de lado a parte emotiva do ser humano.

A noite é um labirinto de desejos, que atinge o clímax quando a chuva começa a dar seus primeiros sinais, deixando as emoções nortearem os instintos, onde o entrelaçar de mãos, o sussurrar de sons indecifráveis é um ritual continuo sem hora para acabar.

O casal de namorados fez sua primeira jura de amor debaixo de uma das arvores centenárias da avenida Beira Rio, onde o vento forte do Rio Amazonas serviu de testemunha, pássaros eram platéia, que empolgados com o romance gorjeavam sem parar. Juras intermináveis, sensações luxuriantes e inebriantes faziam parte do cenário, e a chuva era o complemento final de uma cena de amor. Prometeram amar-se eternamente, até que a morte os separasse, cascas de arvores frondosas foram arrancadas e marcaram através de incrustações, como testemunho de um compromisso informal, sem a presença de um contrato civil, a relação amorosa daqueles eternos amantes.

O rapaz ao se despedir da amada ainda conservava no semblante o grau de felicidade que ela lhe proporcionou, e não percebeu o automóvel que se aproximava com regular velocidade, que o apanhou na lateral da calçada e ele foi atingido justamente na cabeça, tendo naquele momento traumatismo craniano fatal.

A noticia chegou como um raio que atingiu a moça em cheio, sem uma explicação que jamais será aceita. E ela com as mãos na cabeça, aos gritos sem conseguir pronunciar as frases corretas, tentava entender o por que? daquela DESPEDIDA.

Ele anteriormente desejava ser feliz e prolongar aquela felicidade que foi interrompida sem explicação. Ficará somente na entranha de uma arvore a lembrança de uma jura de amor.

Despedidas inexplicáveis acontecem todos os dias, porém, jamais conseguiremos compreender!


COMIGO NINGUÉM PODE...
Publicado no caderno de cultura do Jornal Diário do Amapá em: 28 de novembro de 2002.

A planta altamente venenosa é uma espécie de tajá brabo. Para os curandeiros que praticam a pajelança ela possui poder miraculoso que combate o mau olhado.
O pé de comigo ninguém pode ficava atrás da casa de um morador antigo do bairro do Laguinho. A matriarca tinha mania de curar a arvore que, viçosa possuía as folhas mais bonitas da redondeza, sua cor de um verde-oliva chamava a atenção de todos que a observavam com inveja, segundo a proprietária.

Entremeadas entre o verde e o branco as folhas reluziam seu brilho ao cair da tarde, sua forma como se fosse um coração se debruçava ao vento demonstrando que possuía superioridade entre as outras plantas do quintal.

Todos os dias o belo pé de Tajá recebia bacias cheias de água curada como diziam os mais antigos.

Na mistura benta lá se iam: sal grosso, alho batido no pilão de pau, folhas de mucuracaá, ramos de alecrim, pingos de cachaça pura e virgem e lavagem de água de carne fresca. Quando recebia seu banho o pé de comigo ninguém pode só faltava falar, suas folhas balançavam soberbas, e o vento vinha com uma docilidade como se conversasse com a touceira do Tajá venenoso.

Um dia a vizinha ouviu um assovio; começou fino, depois cresceu, ecoou pelo quintal, penetrou na alma, e ela procurou entre os pés de açaizeiro se havia alguém escondido lá, nada de anormal foi avistado. Varias vezes ela escutou o mesmo som e começou a partir daquele dia a prestar mais atenção de onde ele vinha.

Descobriu assustada que era do pé de Comigo Ninguém pode.

CONTOS

UM ROSTO
Conto publicado no Jornal Diário do Amapá em, 23 de fevereiro de 2003.

O rosto que apareceu no espelho não era verdadeiro!

A moradora do bairro do Igarapé das Mulheres se espantou; tinham rugas que pareciam de verdade, o sorriso era enigmático e traiçoeiro. A luz que pairava sobre o vulto sem forma no reflexo do espelho era assustador.

A noticia correu como um campeonato de velocidade, primeiro a benzedeira foi chamada, depois cobriu com um pano o local, passou algo embebido em cachaça, fumou um cigarro barato, fez o sinal da cruz e a coisa não sumiu.

A casa foi construída na beira do Igarapé das Mulheres, seus pés permaneciam dentro das águas barrentas o ano todo; às vezes a madeira de lei ficava totalmente encoberta, outras vezes somente a metade, dizem as más línguas que foi a reza de um pescador sentimental que agourou a velha casa, comprada com trocas de muitas viagens de pescaria, alqueires de farinha, piracuí e algumas frutas que foram plantadas na parte mais alta da propriedade, que serviu de moeda para adquirir tal patrimônio.

A reza foi complementada com muita água benta deixada de presente pelo velho pároco que estimava a família.

No espelho o visitante ao olhar a imagem refletida, tinha a sensação de realmente se deparar com um ROSTO.

Se era uma imagem masculina, o padre que também foi chamado, não soube explicar. O que realmente aconteceu foi algo assustador; os antigos moradores sumiram de repente, como por encantamento de mãe do mato, a policia ainda tentou investigar o sumiço, porém, nada foi deixado como pista. Era um casal de velhos da Ilha do Marajó, não tinham filhos, viviam somente da pescaria, e um dia a noticia chegou: os pobres velhos sumiram, alguém achou que foi o Boto, outros que foram comidos por jacaré açu que rondavam o local, e nada.

O que se comentava pelos cantos, era que agora, com alguém morando na mesma casa, os antigos donos queriam voltar e assumir seu lugar.

O ROSTO no espelho ficou na lembrança de muitas pessoas, como Dona Maroca que só de lembrar ainda sente calafrios na espinha e se benze, dizendo: Cruz, credo, virgem Maria!

LAGUINHO

ARCAISMOS DO LAGUINHO
Laguinho é meu lugar...
Matéria publicada no caderno de cultura do Jornal Diário do Amapá em: 25 de fevereiro de 2003.


O Bairro do Laguinho é um recanto primoroso do Amapá, possui figuras expressivas no âmbito cultural, folclóricas, boemias, caricatas, anônimas, enfim...
O Laguinho se imortalizou por falar de poesia, sem o compromisso formal da escrita. No Laguinho encontramos o negro soberbo da sua cor, o poeta que cria trovas ao acaso, o boêmio que amanhece fora de casa, e ainda na rua interpreta poemas criados na noite anterior debruçado sobre uma cadeira de um bar qualquer.

Arcaísmos do Laguinho é a rebusca por palavras em desuso, antigas, antiquadas... Falar de um Pitisqueiro que guardava preciosidades em suas gavetas de puro mogno, e que o verniz não saiu com o tempo, é salutar para a memória, abicorar passarinho no Poço do Mato, sem ser incomodado por horas a fio, quieto, calado, feito uma estatua, quase morto... Desmintir o pé numa pelada nos campos do Kouro e levar para a famosa puxadeira Maria Cunha, Sacaca, Crioulo Branco, ou outros famosos que davam jeito na rasgadura do pé com a rapidez de um mágico.

Ataia, ataia... Os caminhos sem demora para se chegar aos objetivos propostos, ir na retrete e deixar a porta aberta era mania de todo mundo, só fechavam a porta quando alguém aparecia de repente.
Alguém estava Cuira para saber das ultimas novidades que as fofocas espalhavam, tiriça curtida depois de um bom gole de açaí amassado pelas mãos da Tia Geralda, a canela de um moleque magro, intanguido, tuira de não tomar banho, ou quando tomava era pela metade...
A cabeça de prego que trazia doenças e ficava nas valas empossadas ao lado, era um perigo diziam as velhas amas.

Menino corre da frente dessa cintina, gritava a mãe de vez em quando, Eré, Eré para mandar embora os inconvenientes, rodilha quebra com facilidade, cuidado! Só como paçoca feita em mufari(pilão). O Laguinho será sempre um lugar de saudade, aconchego e muitos amigos...

LAGUINHO

ARCAISMOS DO LAGUINHO
Laguinho é meu lugar...
Matéria publicada no caderno de cultura do Jornal Diário do Amapá em: 25 de fevereiro de 2003.


O Bairro do Laguinho é um recanto primoroso do Amapá, possui figuras expressivas no âmbito cultural, folclóricas, boemias, caricatas, anônimas, enfim...
O Laguinho se imortalizou por falar de poesia, sem o compromisso formal da escrita. No Laguinho encontramos o negro soberbo da sua cor, o poeta que cria trovas ao acaso, o boêmio que amanhece fora de casa, e ainda na rua interpreta poemas criados na noite anterior debruçado sobre uma cadeira de um bar qualquer.

Arcaísmos do Laguinho é a rebusca por palavras em desuso, antigas, antiquadas... Falar de um Pitisqueiro que guardava preciosidades em suas gavetas de puro mogno, e que o verniz não saiu com o tempo, é salutar para a memória, abicorar passarinho no Poço do Mato, sem ser incomodado por horas a fio, quieto, calado, feito uma estatua, quase morto... Desmintir o pé numa pelada nos campos do Kouro e levar para a famosa puxadeira Maria Cunha, Sacaca, Crioulo Branco, ou outros famosos que davam jeito na rasgadura do pé com a rapidez de um mágico.

Ataia, ataia... Os caminhos sem demora para se chegar aos objetivos propostos, ir na retrete e deixar a porta aberta era mania de todo mundo, só fechavam a porta quando alguém aparecia de repente.
Alguém estava Cuira para saber das ultimas novidades que as fofocas espalhavam, tiriça curtida depois de um bom gole de açaí amassado pelas mãos da Tia Geralda, a canela de um moleque magro, intanguido, tuira de não tomar banho, ou quando tomava era pela metade...
A cabeça de prego que trazia doenças e ficava nas valas empossadas ao lado, era um perigo diziam as velhas amas.

Menino corre da frente dessa cintina, gritava a mãe de vez em quando, Eré, Eré para mandar embora os inconvenientes, rodilha quebra com facilidade, cuidado! Só como paçoca feita em mufari(pilão). O Laguinho será sempre um lugar de saudade, aconchego e muitos amigos...

TRIBUTO

TRIBUTO A IZABEL MACHADO
(Minha mãe) + 23 julho de 1997

Isa, Isa, Izabel Bela...
Vindo de longe, de uma Ilha (paraense)
Quituteira era ela.
Izabel, Isa, Isa, Isa, Bela...
A mais bela do Igarapé das Mulheres
Com olhos de mel,
Com cheiro de terra
Barro aos seus pés,
Isa do barro, para a Terra.
Na terra fértil
Fertilizou
Se fincou.

Mãos calejadas pela labuta.
Isa mais bela, mulher tornou-se.

Mulher na fibra,
Mulher na raça,
Isa, Isa, Isa, bela...
Beleza só a dela,
Mãe, Pai, tudo era ela...
Energia
Que não se sabe,
De onde vinha e de onde tirou.
Porém, na raça,
Permanecia,
Suor e sangue brotou.

MINHA MÃE!

Meu néctar, minha seiva,
Minha selva, minha mina,
Eu era sua menina.
E Boneca,
Depois só NECA,
Me chamou,




E eu a contemplava,
Com admiração e respeito,
Herdei seus olhos,
Olhar de mel,
Sem fel...
E ela foi abelha rainha,
E seu olhar era profundo.

Oh! Isa, Isa, Bela
Minha Isa, minha sina
E eu sua menina.
Sua boneca, NECA...

Sino dos Anjos,
Aos meus ouvidos
Me ensinando
Os primeiros passos,
Me protegendo
Sob seus braços...
Minha guardiã, minha heroína.
Minha protetora,
Só era ela, Isa, Isa, Isa Bela...

Isa hoje está no mármore.
Seu mármore é belo,
E a conserva
No seu pensar,
Nas atitudes,

Sigo tua sina, o teu exemplo,
De perseverança e determinação
De uma mulher mais bela.
Minha Isa, Isa, Bela...
Isa de estrelas,
Isa do Sol,
Isa sofrida,
Isa suor,
Isa esperança,
Isa paixão.

Oh Senhor!
Eu te pedi uma MÃE,
E tu me deste uma MINA,
Senhor eu te pedi uma mão,
E tu me deste uma Guia.
Senhor eu só queria um colo,
E tu Senhor das estrelas...
Me deste uma constelação.
Senhor ela era bela...
Minha Isa, Isa, Bela...
Mas do que Isa, Senhor.
Ela era bela,
Mas do que Isa, bela,
Era um coração só.

Senhor jamais pensei em lhe perder.
Porem, chorei,
Quando sofria
Em fria cama
Sem me fitar.
Porem suas lagrimas
Quando rolavam
Eu compreendia e sabia
Que tu falavas no meu penar.
E meu peito ardia e se apertava,

Oh! MINHA MAE.
Isa, Isa, Isabel Bela
Minha Isa bela.
Pássaro solto
Na plenitude
Na imensidão
Hoje estas livre
Sem solidão, sem dor.

E voas alto, e nas estrelas
És a mais bela...
MINHA MAE,
Minha Isa, Isa, Isabel bela...


Minha Mãe serena,
Minha mão guia,
Minha esperança,
E teu sorriso soa no ar.

Es tu somente a mais bela, minha Isa
Isa, Isa, Isabel bela...

Oh! Senhor
Eu só te pedi uma MAE.
E tu reuniste em uma única mulher.
Todas as virtudes do universo.
Quão gotas de orvalho num paraíso.
Senhor!
Eu só queria uma Mãe.
E tu Senhor, me destes uma MINA,

E te perguntei baixinho entre soluços:
Senhor, o que faço para ser merecedora dessa dádiva?
Senhor será que mereci essa mulher em minha vida?


Senhor te peço piedade.
Pelos meus erros,
Pelos meus pecados,
Senhor não sou merecedora
Dos teus caprichos.
Porem gritarei ao mundo
Que fui contemplada por ti,
Por ser filha dessa nobre mulher
Chamada Isa, Isa, Isa Bela...
ISABEL MACHADO
MINHA MÃE!



Poema dedicado a Isabel Machado, publicado no Jornal Diário do Amapá no dia das Mães em 13 de maio de 2001.

POETISA

O SABIÁ E A SEMENTE

Por: Neca Machado
Para Alcyr Guimarães - PA

Este Sabiá madrugador
Transpôs:
Janelas, portais, mares, e rios,
Voou distante, tão longe.
Quebrou e rompeu desafios.
E com o sol das manhãs,
Desceu na minha janela.
Que visão mais bela
E pueril.

E me trouxe a SEMENTE
Da vida,
Da luz,
Da esperança,
E de uma saudade.

Este SABIÁ,
Que tem cheiro de CIO.
Veio ao som dos batuques,
Com o cheiro das açucenas,
De abril,
Com o embalo das morenas
Com a reza das novenas,
Dos Campos do Laguinho,
Com o cheiro das mangas maduras
Da safra de Dezembro
Sutil.

Este SABIÁ!
Com a cor do sol
Do Equador tropical,
Do Equinócio das águas,
É o SABIÁ do amor,
Desta Nega Fulô.

Sua SEMENTE,
Tem nome de flor,
De desejo,
De cheiro de Mato,
De orvalho molhado,
É sua Nega Fulo.

Sua SEMENTE,
Tem cheiro de CIO,
Provoca arrepio,
É puro desafio.
Excita por assovio.

Sua SEMENTE,
Brota em solo
Floreal,
Juvenil,
Febril.

Sua SEMENTE ama este SABIÁ,
Que lembra do mar,
Das marés,
Das ondas senhoras,
E da mansidão dos igarapés.

Este SABIÁ é Senhor,
Das vontades,
Saudades,
Desejos contidos,
Escondidos,
E seu canto
Deságua,
Entranha,
Desbrava,
Arranha
E passeia na teia
Desta pobre aranha.

E seu grito vem,
Como a Pororoca,
Sem medo,
Destruindo,
Consumindo,
Sorrindo,
E se vai...

E sua SEMENTE,
Sobrevive
A mais este ai.

Sua SEMENTE vive,
Se desnuda,
Desabrocha
Numa fenda da rocha,
Feito um cristal.

Sua SEMENTE,
Resiste, persiste,
Ao tempo,
A saudade,
As lembranças,
A dor,
A desesperança,
E de sua janela
Insiste em brotar.

Sua SEMENTE,
O quer,
Quer sol,
Água,
Orvalho molhado,
Quer seu sorriso encantado,
Quer seus braços estendidos,
Afago de sua mão,
Quer seu cheiro de cio,
Quer somente
Um pedaço do seu coração.

Sua SEMENTE cresce,
Brota viçosa,
Ergue-se pelas manhãs
Preguiçosa.
Torna-se frondosa.
E se estende pelos cantos
Deixando um encanto no ar.
No recanto de uma saudade.
Olhando frestas sobre florestas.
Ergue-se sobre mares,
Lugares,
Busca um caminho,
Um porto seguro,
Neste escuro.
Deste SABIÁ.

Sua SEMENTE,
Banha-se,
Com água de poço, (Poço do Mato)
Revela seus segredos à mãe do rio,
Sente arrepios.
Conhece segredos de uma magia
Lança-se sobre janelas imaginarias,
Em busca de seu SABIÁ.

Sua SEMENTE faz versos,
Mostra reversos
Tem sonhos,
Sente cheiro de saudade
Do seu SABIÁ.

Este SABIÁ
Da cor divinal, celestial,
Angelical,
Tão natural,
Com sabor do açaí, de cupuaçu,
De bacuri...
Tão animal.
Com seu canto irracional.
Que pousa atrevido na minha janela,
No meu sofrimento,
No meu quintal.

Este SABIÁ é gente,
Tem pensamentos,
É generoso,
Doce,
Torna-se degustativo.

E sua SEMENTE
Tem incertezas,
Lamenta,
E faz sonetos,
Nas entrelinhas
Ponteia
Norteia,
Vagueia,
E fita seus olhos de mel,
Contemplativos,
No seu SABIÁ.
Que entre janelas ao vento,
Portais e murais,
Lagos, florestas e igarapés,
Teima em voar.

E sua SEMENTE,
Se cobre
De lagrimas,
De mantos de santos,
De encantos
E desejos,
Viajando em canções
Que a fazem lembrar do seu SABIÁ. (lê, lê, lê.........)

E sua SEMENTE
Viaja
Devagarzinho
Por um mar acima, e um mar abaixo,
Como um menino, menina...
Que abriu os olhos
Pelas frestas de uma janela
Esperando um presente de Natal.


E este SABIÁ
Viajante,
Andante
Errante,
Torna-se distante,
Do seu penar.

Mas na seiva desta SEMENTE
Que insiste
Em sobreviver
Em plagas tucujus,
Sua imagem a faz florir.
Crescer,
E fazer
Novas sementes
Para este amor
Se eternizar.

Sem amarras,
Mordaças,
“Então tá SABIÁ!”

E da minha janela,
Eu vi Bem-te vis,...uirapurus...
Vi chuva de inverno
Imaginei janelas ao vento
E quase cheguei ao céu.

Não fui leviana
Somente insana.
Buscando uma canção
Pra me confortar.

“Então ta SABIÁ”, (lê, lê, lêlê........)
ESTE CANTO FICOU SOMENTE NO PAPEL.

Com a bela lembrança de um SABIÁ.

JOAOSILVA

JOÃO SILVA , quem eu amo de verdade, escreve com o coração uma verdadeira devoção ao LAGUINHO.



João Silva

Amapaense, 63, jornalista sem formação acadêmica; começou como colunista em A Voz católica, em 1966; em 1967 foi comentarista e apresentador de programa esportivo na RDM; em 1970 transferiu-se para a Rádio Educadora onde permaneceu até quando a emissora foi fechada pela Revolução de 64; articulista, cronista, correspondente das revistas VEJA e PLACAR, diretor de jornalismo da Tv Amapá.

30-6-2010



LAGUINHO DO SAMBA E DO AMOR

João Silva

No tempo em que não havia Câmara Municipal, políticos vaidosos e mal assessorados, o macapaense mesmo ia usando a imaginação para dizer onde morava, onde trabalhava, onde se divertia, onde ficava isso, onde ficava aquilo.

Ruas, becos, animal de estimação, praças, bairros, morros, salão de festa, mangueira, baixada, esquina, bar e até baiuca, nada escapava da língua do povo que ia dando nome a cada pedacinho de Macapá, quase sempre homenageando moradores antigos ou figuras populares...Baixada da Maria Mucura, Burro do Pitaica, Beco do Abieiro, Mangueira do João Assis, Igarapé das Mulheres, Bar do Barrigudo, Bairro Alto, Morro do Sapo, só para lembrar.

Alcy Araújo falava muito no Laguinho do samba e do amor. Uma noite de boêmia tinha que começar no Berro d´Água, barzinho que ficava no canto do INSS. O poeta do cais tinha uma caída pelo bairro, achava o nome original, o povo alegre e amigo - ainda bem que Laguinho permaneceu Laguinho, mas depois que o poeta descansou chegou a ser ameaçado pelos reformistas de araque.

Falar em gente inspirada, sambista de respeito, meu amigo Carlos Peru teve a ideia, em ano de Copa do Mundo na Africa do Sul, de reunir os menestréis da Nação Negra para lembrar a decisão governamental que transferiu famílias de negros descendentes de escravos para a área que compreende hoje o bairro moreno da cidade.

As famílias moravam em casas toscas que ficavam na parte alta da margem do Rio Amazonas, numa Macapá paupérrima, cujas águas avançavam dentro da área urbana, já que não havia muro de arrimo. Janary Nunes queria o espaço para começar a construção de uma capital moderna, como sempre dizia.

Daí é que construiu o Grupo Escolar e a Praça Barão do Rio Branco, o Forum, o Posto de Puericultura, o prédio dos Correios, a residência oficial e casas em alvenaria para hospedar membros do primeiro escalão do governo, como João Telles, secretário-geral, e Uadih Charone, chefe da Guarda Territorial.

A decisão do primeiro governador do Amapá não foi tão simples assim como pode parecer. Ao descobrirem que as casas construídas por Nunes não seriam para pobres como eles, mas sim para gente graúda, os negros protestaram na caixa do marabaixo cantando Aonde Tu vais rapaz/Neste caminho sozinho/ Vou fazer minha morada lá nos campos do Laguinho!

Definitivo é que desde que essas famílias se juntaram para esculpir a face da Nação Negra onde permanecem até hoje, lá se foram sessenta e cinco anos muito bem lembrados pelo Carlos Peru, que nasceu laguinense, e mora no coração do Laguinho.

Difícil lembrar todo mundo, mas entre vivos e mortos me atreveria a dizer que o Laguinho é a cara do Sacaca, do Mestre Julião, do Lourenço Tavares, do Falconiery, do João de Paula, e da Tia Macica; lembra o suingue da sambista Marivanda, a alegria da poetisa Neca Machado, o jeito manso do compositor Francisco Lino, a fidalguia do artista plástico e poeta Manoel Bispo e a cidadania do João Anastácio, honestíssimo secretário de finanças da PMM por muitos anos, levando na ponta dos dedos o fusquinha branco comprado no Teixeirinha - para lembrar antigos moradores como os Ramos, os Del Castilo, os Pontes, os Farias e os Távora.

O Laguinho quer dizer também Crioulo Branco, João de Deus, Rosendo, Meton Jucá, Sílvio Leopoldo, Edi Prado, Euclides Moraes, Maxico, Tupinambá, Bibi, João Costa, Edvar Mota, Piturisco, Psiu, Munjoca, Chefe Humberto, Milton Correia, Biluca, Perigoso, Sabazão, Neck e Waldir; ainda poderia se chamar Piedade, a eterna musa, Fernando Canto, Grupo Pilão, Julio Pereira, Tia Lucy, Guita Preta, Venina, da Trindade, Pedro Monteiro, Ubiratan Silva, Amujacy, Darciman, Leonai Garcia, Heraldo Almeida,Vicente Cruz...Vive nos mimos do poeta Osmar Junior, na música do Ilan, na generosidade de Mãe da Luzia, nas lembranças do Paulino e do Pavão.

O Laguinho é a cruviana que aconchega os amantes nas madrugadas do Bar do Tio Duca, é o papo que rola no Banco da Amizade, a força que se renova nas “Raízes do Bolão”, no canto do Negro de Nós, do Sambarte, e brilha no talento do Nena Silva refinando sons tribais que chegaram aqui nos porões dos navios negreiros.

Raíz é raiz! Todos os anos, em noite de luar ou não, os afro-descendentes de toda parte do estado se juntam no coração do Laguinho para exaltar as tradições da nossa gente no Encontro dos Tambores, na festa da decente negritude de um povo! Claro que o lugar perdeu a inocência dos banheiros públicos, dos mercadinhos, das peladas no campinho do Lélio Silva, dos salões daquela época, mas fazer o quê?

Entre supermercados, cinema, boates, postos de gasolina, escolas, comércio, praças, prédios de apartamentos e as mazelas da cidade grande, o Laguinho resiste, continua nicho da cultura, dos amores, da boêmia; tudo é motivo de festa que não se curte sem batuque, marabaixo e gengibirra, sem louvor ao Divino e levantação do mastro, carnaval e futebol, sem reza e torcida para a Universidade, para o São José e São Benedito.

Foi assim, cantando, dançando, esperançando, se conscientizando que o povo transformou a UNA na fortaleza do Laguinho, onde cruzam as lutas do negro do Amapá contra o preconceito e a injustiça; lá a Nação Negra se fortalece, o negro liberto se vê, cresce, exige uma sociedade livre de todo tipo de escravidão, o que vale lembrar que uma negra do Amapá por muito pouco não chegou ao Senado da República.

Antes de me apaixonar pelas cores da Sociedade Esportiva e Recreativa São José, na minha juventude, havia um Laguinho encantado, um quase descampado, umas mulheres passando da sede do Boêmio e do seu eterno porteiro Bolão, além do campo do América; um Laguinho que se espreguiçava na direção das matas onde surgiram as casas do Pacoval e os bairros da Zona Norte. No sábado, a pé, pouco dinheiro no bolso, eu vinha do centro para “mariscar” uma noite de amor na festa de aparelhagem do tal de Ralle-Gally, bem na esquina da General Rondon com a Nações Unidas...

Parabéns, Laguinho negro, mas plural e democrático, altar e passarela de todos os carnavais, de todos os credos, dos pardos, dos mulatos e dos brancos que citei, gente que te admira como se negro fosse, caso de um certo “alemão” que é papa chibé, tem nome de gringo (Walker), não mora no teu chão, mas te ama de paixão!

Eu não nasci em ti como o sambista Carlos Peru, não saio na escola, não vou às domingueiras do Boêmios, mas eu te amo tanto quanto teus poetas, teus escritores, teus compositores, quanto teus moradores mais antigos e filhos mais ilustres...

PIONEIRO